quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Ministério Público quer cancelar contrato da prefeitura com a Valadarense

SEGUNDO PROMOTOR DE JUSTIÇA, CONCESSÃO FOI FEITA SEM LEI ESPECÍFICA, E O PRAZO DE 40 ANOS GERA “VERDADEIRO MONOPÓLIO PELA EMPRESA VALADARENSE”. PREFEITURA DIZ QUE AINDA NÃO FOI NOTIFICADA PELA JUSTIÇA
FOTO: Fred Seixas
REPRESENTANTES DE movimentos acreditam que a ação do Ministério Público é resposta às manifestações na cidade
GOVERNADOR VALADARES -
O Ministério Público do Estado de Minas Gerais entrou com uma Ação Civil Pública contra a prefeitura de Governador Valadares e a Empresa de Transportes Coletivos Valadarense. A ação, proposta pelo promotor Leonardo Valadares Cabral, foi protocolada na última quinta-feira, dia 25, e tramita na 7ª Vara Cível. Na ação, o promotor pede que a Justiça declare nulo o processo licitatório referente ao serviço de transporte coletivo urbano de passageiros vencido pela Valadarense no último ano, e também cancele o contrato da empresa com o município. A ação pede ainda que seja suspensa toda e qualquer forma de transporte público prestado pela empresa, após o prazo de 120 dias da decisão judicial, sob pena de multa de R$ 100 mil por dia caso haja o descumprimento, para que seja realizado um novo processo licitatório, se o município entender cabível.

Segundo a ação, que foi baseada em inquérito civil, nos artigos 127 e 129 da Constituição Federal e outras leis, “o Ministério Público instaurou procedimento investigatório ao tomar conhecimento, por intermédio de vespertino local [pelo jornal], de que o município teria autorizado processo licitatório visando à concessão do serviço de transporte coletivo urbano de passageiros pelo prazo de 20 anos, prorrogável por outros 20 anos, amparado por Decreto do Poder Executivo”.

Segundo o promotor, “verificou-se que o Município deflagrou em 15 de agosto de 2012 o processo licitatório nº 009/2012, na modalidade de concorrência, tendo ao final, na data de 18 de dezembro de 2012, se sagrado vencedora a Valadarense”. “De fato, após cerca de 120 dias, o ente público municipal celebrou com a Empresa o Contrato de Concessão nº 256/12, no valor de R$ 6.943.500,00, deferindo-lhe o prazo máximo de 40 anos de concessão no transporte coletivo”.

Ainda segundo a ação, “a legislação municipal, através da Lei nº 3.345/91, estipulava, em seu artigo 11, o prazo de 10 anos para a exploração dos serviços de transporte coletivo. Porém, a Lei nº 5.747/07 deixou de estabelecer o prazo específico da concessão, e outorgou-o, por período indeterminado, ao livre arbítrio do Poder Executivo”.

O questionável, segundo o Ministério Público, é que a nova licitação foi feita por meio do Decreto nº 9.721/12, e não por uma lei específica. “Constata-se que o Decreto foi editado, não para regulamentar uma lei específica sobre a concessão de serviço público, mas para estipular regras substanciais para a dita concessão (estabelecendo, inclusive, o prazo e sua prorrogação), ressoando no certame licitatório e no contrato administrativo. Dessa forma, o Decreto do Poder Executivo suprimiu lei municipal específica, elemento necessário para a concessão do referido serviço público, refletindo em verdadeira afronta ao princípio constitucional de separação dos poderes”, diz o promotor na ação.

“A legislação pátria, em todas as suas esferas hierárquicas, determina que a regularização de concessão deve ser feita através de ‘lei’, de modo que um singelo decreto não se presta como instrumento legal para dispor sobre o tema; tal conduta culmina por ferir os princípios da legalidade e da separação dos poderes”, diz outro trecho do documento.

Segundo o promotor, o artigo 175 da Constituição Federal determina que o sistema de concessão será sistematizado de acordo com as necessidades de cada ente federativo, observadas as peculiaridades de caso concreto e os limites encontrados na norma geral. Porém, a concessão, segundo o artigo, deve ser feita “na forma de lei”. Outra lei citada na ação é a 9.074/95. No artigo 2º, a lei diz que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios executarem obras e serviços públicos por meio de concessão e permissão de serviço público, sem lei que lhes autorize e fixe termos”. A ação também cita que a própria Lei Orgânica do Município estipulou a exigência de lei para dispor sobre o serviço de Transporte público, no artigo 147, que diz: “A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a fiscalização dos serviços de transporte coletivo”.

A equipe de reportagem do DIÁRIO DO RIO DOCE procurou contato na tarde desta sexta-feira (26) com a prefeitura e com a assessoria de imprensa da Valadarense. Além do contato telefônico, foram enviados e-mails questionando se ambos já haviam sido notificados e o que teriam a dizer em sua defesa. A prefeitura informou que ainda não foi notificada pela Justiça e que só se pronunciará quando tiver informações mais concretas da ação. A assessoria da Valadarense deu a mesma resposta.

O valor da causa, segundo a ação, é de R$ 6.943.500,00, mesmo valor do contrato da empresa com o município.

Promotor diz que prazo concedido 
fere o ‘princípio da razoabilidade’


O promotor Leonardo Valadares Cabral também considera que o prazo de concessão dado à empresa fere o princípio constitucional da moralidade. “No artigo 4º do citado Decreto, o prazo para a outorga da concessão e respectiva prorrogação foi estabelecido em limite superior ao permitido por lei, culminando por gerar uma contratação perpétua (40 anos), esvaziando, via oblíqua, a lei de licitações e ferindo o princípio constitucional da moralidade administrativa”, diz ele na Ação.

Em outro trecho, a ação ataca o prazo “excessivo” concedido à empresa na cidade. “Admitir que o ente público municipal possa fixar prazo excessivamente amplo (40 anos) fere o princípio da razoabilidade, dá azo à formação de contratação ‘perpétua’, impede a realização de novas licitações e causa o engessamento na qualidade de prestação de serviços”. “A fixação arbitrária de prazo contratual de 20 anos, prorrogável por mais 20 anos, para beneficiar de forma vitalícia a Empresa Valadarense, atentou de forma frontal contra o princípio da moralidade administrativa”. Em outro trecho, a ação diz que o prazo de 40 anos gera “verdadeiro monopólio pela Empresa Valadarense”.

Em coletiva de imprensa no dia 27 de junho, a prefeita Elisa Costa (PT) afirmou que a licitação ocorreu de acordo com as leis que regem o assunto e disse que o prazo de 20 anos, prorrogável por mais 20, segundo o MP, foi dado para incentivar outras empresas a participar do processo, que no fim acabou tendo como vencedora aquela que já atuava na cidade havia anos.

Ação é ‘vitória das ruas’

A ação proposta pelo promotor Leonardo Valadares Cabral contra o município e a Valadarense cita no fim que a “gritante violação ao princípio da moralidade administrativa foi reconhecida e está sendo amplamente questionada por centenas e centenas de cidadãos nas inúmeras e recentes manifestações populares que pululam na cidade de Governador Valadares”. De acordo com o representante do Grupo Moraliza GV, o advogado Luciano Souto, a ação representa a vitória dos movimentos sociais, como do próprio Moraliza GV e do movimento Vem Pra Rua, GV!

“Eu vejo que essa é uma medida muito importante adotada pelo Ministério Público. Significa dizer que o MP está atento a esses problemas sociais. Principalmente, aquilo que está de certa forma ferindo os princípios da moralidade, legalidade e razoabilidade. Essa ação civil pública representa uma grande vitória dos movimentos sociais, do Vem Pra Rua, GV!, que vem questionando os valores cobrados pela Valadarense e o contrato também feito no ano passado, de 20 anos. É uma vitória do próprio Moraliza GV, que vem acompanhando todas essas ações que de alguma forma representam ilegalidades e imoralidades no trato com as questões públicas da cidade de Valadares”, destacou Souto.

Para um dos representantes do Movimento Vem Pra Rua, GV!, Marcos Aiala, a ação proposta é resposta à pressão feita pelo grupo nas ruas. “Acredito que essa ação, se não fosse a nossa pressão junto com outros movimentos sociais atuantes na cidade, não consolidaria essa vitória”, afirmou.

Souto ressalta que é preciso aguardar o desfecho da ação. Ele pontua que os argumentos principais do MP se referem à inexistência de uma lei específica estabelecendo o prazo de concessão. “Agora vamos aguardar o desfecho dessa ação. Caiu na 7ª Vara Cível, o juiz agora vai ordenar citação do município e da Valadarense e eles terão a oportunidade de apresentar defesa. Mas o promotor de Justiça pede ao final que seja declarado nulo o processo licitatório e também o contrato de concessão. Caso isso ocorra, haverá a necessidade de uma nova licitação e todas as empresas terão oportunidade de concorrer novamente. E seria importante a criação de uma lei estabelecendo todas as regras para a licitação, inclusive a questão do prazo. Agora a gente aguarda a Justiça se manifestar sobre a questão”, concluiu.


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